A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

sexta-feira, 31 de julho de 2009

A UNIVERSIDADE E A FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS PARA O SÉCULO XXI

Os caminhos para a excelência pessoal e profissional passam, necessariamente pela educação. É especialmente nos ambientes universitários, que os sujeitos despertam suas consciências para a necessidade de se tornarem competentes, com o objetivo de se diferenciarem enquanto profissionais. Percebe-se aí, um caminho fértil para os educadores contribuírem, de modo relevante, para que os futuros profissionais capacitem-se na arte do saber, do saber fazer, do saber ser e conviver (DELORS, 1996).

Este artigo aborda a temática do ensino superior, alertando para a importância de se planejar e organizar um currículo que complete, no mesmo grau de importância, conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, visando à formação de profissionais competentes, capazes de atender às exigências do seu entorno social.

O ensino superior tem figurado, atualmente, como tema polêmico e vem suscitando uma série de questionamentos e reflexões sobre o papel da universidade na formação de profissionais habilitados a lidar com a complexidade dos desafios que emergem, na sociedade mutante deste novo século. O mercado de trabalho vem mostrando-se, cada vez mais exigente, em qualquer área de atuação. Não basta ter conhecimentos científicos elaborados e saber aplicá-los, de modo comum, do jeito que todo mundo faz. É preciso ir além, demonstrar criatividade para inventar um jeito próprio, fugir do que é tradicional. Essa é uma aprendizagem que a universidade precisa desafiar seus acadêmicos a construir. Para isso, precisará vencer alguns limites, alargar horizontes e passar do ensino marcadamente teórico, acadêmico, para o ensino e a aprendizagem de conteúdos procedimentais e atitudinais.

Na concepção de Zabala (1999) a aprendizagem de conteúdos procedimentais implica em aprender a fazer, na prática, aquilo que assimilou na teoria. Bem se sabe que o mercado de trabalho, as organizações que geram empregabilidade procuram um perfil de profissional, que, seguramente, não é aquele que apresenta o maior numero de títulos. É o que consegue ser capaz de demonstrar o que sabe e, em igual grau de importância, mostrar o que sabe fazer com os conhecimentos construídos, bem como, mostrar as competências do ser, as vivencias que lhe são proporcionadas no ambiente da organização.

Seguindo essa linha de raciocínio, indaguemo-nos: - Como estão sendo trabalhados os conteúdos procedimentais e atitudinais nas nossas universidades? Certamente os conteúdos conceituais estão sendo muito bem elaborados e ensinados. Mas isso, somente, não capacita os estudantes a exercerem a profissão escolhida, com chances de sucesso.

Demo (1999), ao discorrer sobre os desafios modernos da educação, questiona, de forma contundente, o papel da universidade. Na sua concepção, a universidade não pode se constituir num campus repleto de salas de aula, mas num lugar onde se fomenta a produção própria qualitativa, o “saber-fazer” e não o seguimento de caminhos desvendados e trilhados por outros, como mera copia da produção alheia. Se é da pratica que emerge a teoria, é com ela que os estudantes precisam ser desafiados a estabelecer vínculos concretos para a aprenderem a fazer.

A realidade difere um pouco de como se apresenta na teoria. Ela nos surpreende com seus imprevistos, suas peculiaridades, já que resulta de um processo vivo, dinâmico. Nenhum padrão se adapta nesses contextos. É por isso que nossos estudantes precisam fazer vivencias que lhes permitam descobrir sua potencialidade e seu grau de limitação, podendo assim, ir aparando arestas, aperfeiçoando métodos, processos, amadurecendo raciocínios, melhorando concepções sobre padrões valorativos e ir transformando comportamentos e atitudes. Isso é aprender.

Demo (1999) sinaliza que educação deve significar, na sua essência, emancipação, ou seja, a possibilidade de se aprender a fazer com autonomia e condena aqueles professores que só socializam o conhecimento, passando informações sobre a matéria, denominando-os de “auleiros”. A crítica de Demo mostra-se mais aguda, quando anuncia que: “Quem permanece no mero aprender, não sai da mediocridade, fazendo parte da sucata” (ibidem, p.131).

O que o autor nos traz, como ponto de reflexão, é que a vida acadêmica precisa ultrapassar o âmbito do conhecimento teórico. Alem da qualidade formal, técnica, igualmente imprescindível, é que nossos acadêmicos aprendam, no exercício da pratica, como ser um profissional de excelência, preparando se para lidar com exigências de uma sociedade em continuo e irreversível processo de mudança.

Demo define produtividade como a capacidade de pensar e intervir na realidade e alerta para o fato de que a universidade precisa preparar seus estudantes para consolidar essa competência nos espaços que vem urgindo no mundo moderno; ressalta que a formação desses sujeitos deve contemplar “visão e ação sempre renovadas em termos de inovação cientifica e tecnológica, nas quais, capacidade laboratorial, experimental, é crucial” (1999 p.132).

Há que se refletir, igualmente, sobre a importância de se trabalhar com conteúdos atitudinais. Esses, não são conteúdo só para educação básica, como se pensa comumente. O processo de amadurecimento e evolução do ser humano não obedece a ciclos específicos; ele é permanente, gradativo e acontece por meio da educação. Como formar bons profissionais se não cuidarmos da formação das suas atitudes? Não há como. É fazer trabalho pela metade.

Se a universidade almeja realizar um processo ensino-aprendizagem de relevância para o contexto social onde se insere, os educadores precisam desafiar-se a pensar formas de trabalhar conteúdos atitudinais. Esses futuros profissionais precisam aprender que conviver num ambiente de trabalho implica em respeito a regras, atitudes de cooperação e não de competição, em disciplinar a vontade para fazer escolhas que só a médio ou longo prazo lhes trarão retornos satisfatórios; precisam aprender a desenvolver inteligência emocional através do autoconhecimento, para construírem uma auto-estima saudável e desenvolver resiliência, para superar seus próprios limites diante de frustrações e de situações-problema que terão de experimentar, inevitavelmente, no curso da vida. Para ser educador, é preciso entender de gente, buscar nos estudos da psicologia, fundamentos para saber lidar com o comportamento humano; pesquisar e descobrir dinâmicas, textos, músicas, documentários, filmes e outros meios que sirvam como ponto de partida para a discussão, reflexão, formação de conceitos e de atitudes em relação a estes conteúdos, tão valorizados na composição de um perfilo de profissional para a propriedade do século XXI.

Conforme sugere Oliveira (1997, p.17) “Devemos analisar as implicações de uma visão global da pessoa humana em seus aspectos racionais, afetivos e emocionais, pois precisamos nos livrar dos paradigmas despersonalizantes e puramente racionalistas pelos quais a pessoa humana não é tratada em sua globalidade, mais aparece como peça de uma engrenagem”.

A discussão sustentada ate aqui pretende servir como uma proposta de reflexão, de análise, de possíveis planos coletivos e individuais Ed ação, em âmbito de universidade. Todos precisam chamar, para si, a responsabilidade de contribuir na formação de profissionais competentes no domínio do saber, do saber-fazer e do saber-ser junto aos outros, abrindo possibilidades para uma convivência enriquecedora, de trocas salutares, inteligentes, que contribuam para o crescimento das pessoas e das organizações.

Cabe um chamamento aos estudantes da academia. É importante lembrar-lhes que cada escolha implica numa renúncia. E, a escolha por ser um profissional que fará a diferença no mercado de trabalho, implica em empreender esforço próprio, disciplinar a vontade, não ficar à espera que milagres aconteçam tão-pouco “pegar carona” na vida de outros, na dependência eterna da famigerada “cola”, ou pedindo para que acrescentem seu nome ao trabalho do qual sequer conhece o conteúdo. Dignidade, respeito pessoal e profissional constrói-se desde o início da formação. Luft (2004, p.107) defende uma tese interessante: “Acredito que viver é elaborar, é criar: são inevitáveis as fatalidades, doença e morte. O resto – que é todo o vasto interior e exterior – eu mesma construo. Sou dona do meu destino. É mais cômodo queixar-me da sorte em lugar de rever minhas escolhas e melhorar meus projetos”.

É comum alguns estudantes encontrarem inúmeras justificativas para não fazerem, bem feito, aquilo que deles se exige. Essa postura não soma. Subtrai. Profissionais excelentes, que se destacam que são referencias na sociedade, não se construíram, assim, por acaso ou por influencia de qualquer traço de herança genética. Mas porque lutaram contra seu próprio desanimo, enfrentaram seus medos, construíram crença na sua capacidade, no poder divino que habita em seu interior e foram à luta, sem poupar-se, sem terem pena de si mesmos. Vale refletir sobre o alerta de Luft (ibidem, p.39) que vem reforçar esta reflexão: “Não é só culpa dos outros se ficamos truncados. Em cada estágio podermos colorir algum traço, algum ponto, alguma cor no projeto de quem pretendemos ser”.

Eis o importante desafio que se Poe diante de educadores, de acadêmicos e da universidade, como um todo: empreender esforços e reunir o máximo de entusiasmo, de desejo interior para saber mais, fazer melhor e trabalhar para fazer aflorar todas as potencialidades do ser, educando-se e colaborando na educação dos outros para que todos se formem profissionais capazes de fazer a diferença, tornarem-se referencia e fazerem-se necessários, imprescindíveis onde quer que atuem.

“Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” (Bertold Brecht)

Referências

DELORS, Jacques et al. Educação, um tesouro a descobrir. Relatório da comissão internacional sobre educação para o século XXI. Lisboa: Asa, 1999.

DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 8. Ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

LUFT, Lya. Perdas e ganhos. 19. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

ZABALA, Antoni. Como trabalhar os conteúdos procedimentais em aula. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.

Resumo

Autora: Marisa Crivelaro da Silva

O MUNDO DOS SENHORES DE ESCRAVOS (USA)


 Introdução

A visão do mundo construída pelos senhores de escravos no sul dos Estados Unidos era um tanto quanto singular e causava certo estranhamento se tomada por olhares munidos de conceitos já estabelecidos, principalmente por homens que incorporavam os princípios do liberalismo e a defesa de uma sociedade livre. Foi neste contexto que se desenvolveu no Sul a defesa pró-escravidão, que os senhores frente aos ataques dos liberais revelaram a sua concepção ideológica de organização social.
É preciso analisar as circunstâncias que possibilitaram o surgimento de tal visão de mundo, são três os fundamentos que serão elencados: A adoção do Modo de Produção escravo, a separação da Grã-Bretanha e “(...) a realização de um acordo adequado durante a crise constitucional (...)” contribuíram para o estabelecimento do poder regional e as linhas gerais do nascimento de uma Ideologia. Algumas questões devem ser levantadas para que haja a melhor compreensão do que se passava com esses homens que viviam em dualidade. Por que cultivaram um sistema de organização da sociedade arcaico num contexto que inviabilizava a sua aceitação? O que sentiam e exprimiam esses homens acerca de sua “defesa”? Como essa visão de mundo construiu-se? O Porta Voz dos Senhores do Sul foi George Fitzhugh que como eles comungava dos princípios da Sociedade Sulista.
A vigência do trabalho escravo passava por necessidades mais do que econômica. A classe dos fazendeiros surgiu, cresceu, desapareceu dentro do modo- de- produção escravo, as forças produtivas desenvolveram a elite sulista que continha em si, o mundo da fazenda patriarcal que era o fundamento dos princípios da visão de mundo desses homens que defendiam uma escravidão orgânica, em contrapartida a economia de mercado desenvolvida pelo mundo burguês. A realidade dicotômica vivida por uma classe essencialmente escravocrata dentro de uma economia de mercado levou a defesa de que a escravidão era orgânica e não uma relação comercial. Com isso, os Senhores do Sul desenvolveram um conjunto de idéias distintas dos liberais sobre a sociedade e sua estrutura. Segundo Genovese, esses princípios representaram a base da defesa intelectual da classe escravocrata:
1) O que torna um homem humano é sua dependência das vontades alheias e suas existência com um ser em sociedade.
2) A necessidade de contar com os outros implica no sacrifício da liberdade individual em troca da proteção.
3) O homem sendo de incapaz de viver isolado, deve tudo à sociedade.
4) O individuo pode alienar toda a propriedade de sua própria pessoa, não apenas da capacidade de trabalho e deve fazer isso se esperar a proteção e apoio de outrem. Como proprietário adquirir confiança e responsabilidade nesta relação, sua liberdade deve ser limitada à vontade geral dos proprietários como classe.
5) A sociedade humana consiste em uma série de relações de marcado.
6) Como a liberdade das vontades alheias é o que torna um homem humano, a liberdade da cada individuo pode juntamente ser limitada somente por obrigações e regras tais como as necessárias a garantir a mesma liberdade a outros.
7) A sociedade política é uma invenção humana para proteção da sociedade do homem e, portanto, para a manutenção de relações regulares de produção entre indivíduos considerados proprietários ou propriedade de outros. No entanto, é mister considerar as impressões de uma conjuntura hibrida, de uma sociedade dual contraditória, como é bem evidenciado em Fitzhugh. Apesar da justaposição em seu sistema a Ideologia possuía coerência no que propunha. A relação senhor-escravo, à comunidade da fazenda, a vivência no modelo capitalista e sua crítica permearam o ideário dos Senhores de escravos levando a construção de uma ideologia própria fruto da contradição da escravidão numa sociedade “burguesa” suscitou o mecanismo de autodefesa do seu mundo. O argumento pró-escravidão originou-se após os primeiros ataques antiescravidão e tinha dentro da sua lógica um forte embasamento. Para a sociedade escravocrata, a escravidão era o modelo de organização mais adequado, perfeito para toda mão-de-obra. “Paulatinamente” os senhores de escravo, tomavam consciência das suas idéias e expunham a sua Ideologia ao mundo, não se tratava somente da defesa de uma classe ameaçada pelo perigo eminente que a circundava, estes homens realmente criam na sociedade escravista como uma experiência social positiva tanto para explorados quanto para exploradores. À Fitzhugh delegou-se a tarefa de levar o argumento a sua decisão final. A origem da elite escravocrata no sul foi marcada por um debate a cerca de sua inerente tendência aristocrática, porém o que vale como importância na análise apresentada, era o desfecho que a elite sulista teve em sua trajetória tornando-se uma classe consolidada com uma lógica toda própria em sua maneira de ser e conduzir a sociedade.

Filosofia dos Senhores de Escravos
À priori é relevante considerar que a defesa de uma filosofia no sul passou mais por questões sociais e por isso, é relacionada intrinsecamente a sociologia por seus precursores. Para a construção de um aparelho Ideológico social é preciso subsidiar-se em idéias que fomentavam a formulação decorrente do pensamento que ratifica a sua Ideologia. O desencadear deste processo evidencia-se na afirmação ou negação de conceitos sócio-politico-culturais e econômicos que por sua vez foram à alavanca de propulsão da defesa de seus princípios teóricos. O desenvolvimento da filosofia, ou melhor, Sociologia sulista representada principalmente por Fitzugh. Criticou os fundamentos do Iluminismo e segundo ele “(...) Os filósofos, argumentavam, confundiam o mundo moral com o fictício, e isto não era estranho, porque tinham começado a duvidar se havia qualquer outro alem do mundo ficticio(...)”. Cabe destacar que a crítica social do sul ao Iluminismo era isolada dento do contexto do mundo burguês em que se situava, ou seja, não era oportuno o momento de fazer-se uma defesa radical do modelo escravista, se para a sociedade não he causava “incômodo” . Nesta passagem observa-se a clareza desta exposição ”Nenhum esquema para uma mudança de sociedade pode fazer-se de sorte a aparecer agradável imediatamente exceto pela falsidade ate que a sociedade tinha se desesperado a tal ponto que aceite qualquer mudança. Uma sociedade cristã só se torna aceitável depois que se tinha examinado bem as alternativas”. O modelo social defendido pelo sul era a revitalização de valores que o mundo não cria mais e Fitzhugh, segundo Genovese foi o principal expoente, lançando as bases de um sistema filosófico alternativo. Mas no que consistia essa construção social? O alicerce do fundamento filosófico pró-escravista baseava-se além da crítica aos princípios burgueses na defesa de uma religião na vinculação dos valores direcionados à defesa da escravidão. A filosofia sulista criticava também o cosmopolitismo do liberalismo, a influência externa que os impedia de estabelecer sua individualidade intelectual e moral colocando-se numa postura um tanto quanto constrangedora, a defesa dos interesses econômicos entenda-se como fazenda levaria a negação da filosofia vigente no mundo burguês ao qual também pertenciam. Para os pró-escravistas o homem não formava a sociedade ele é fruto dela e subserviente do bem comum. O bem-estar dos não proprietários era defendido pelos proprietários em acordo já que a propriedade “(...) não é direito inalienável (...). (...) e deve funcionar para o bem publico” . Sendo assim, em sua teoria, os senhores de escravos são os responsáveis por proverem o bem a sociedade e dar a “proteção” necessária aos não proprietários dos meios de produção corroborando sua afirmativa antiliberal que promovia a disputa e o individualismo entre os homens. A escravidão trazia maior segurança ao trabalhador, seus valores não se centravam no lucro, era essa a imagem que o sul “vendia” acerca do regime. Todavia servia muito mais para manter a submissão, inferioridade, divisão de classe e a crença de uma elite de fazendeiros na tradição de um modelo reacionário que validava a sua existência. A crença sulista estava na compreensão da sociedade como sendo construída por fracos (escravos) que necessitavam da proteção dos fortes (elite de fazendeiros) e para o seu próprio bem-estar era dividida entre os possuidores de liberdade quem é destituído dela por sua fragilidade. Os senhores de escravos por necessidade de afirmação do seu ideário precisavam atuar no campo das idéias, entretanto para o seu principal representante a condução do mundo estava na questão social, na relação mais do que nas idéias era a experiência no modelo que mostrava a verdadeira diretriz da sociedade, não havendo como os senhores desvincularem- se do campo ideológico.

A crítica do Capitalismo
O embasamento sulista na defesa da escravidão na órbita em torno da crítica ao capitalismo, especificamente na crítica ao mercado livre e no aspecto moral da sociedade liberal. Elucidando esta questão tem-se a obra de Fitzhugh que exprime a “mediocridade” da sociedade capitalista burguesa, a escravidão sulista fora contemplada como o modo-de-produção ideal, possuía raízes, não era recente e “superficial” como o capitalismo liberal, sendo um sistema consolidado e estruturado em suas heranças. O capitalismo continha em si a macula a anomalia, o diferencial negativo. Ao apelo moral era imbuído demasiado fundamentalismo da crítica aos princípios da sociedade capitalista que vinculava o bem-estar à figura do indivíduo e sua força de trabalho. Já os escravistas julgavam à postura liberal como um meio de ascensão dos “ricos” sobre os pobres sem importar-se com o bem do outro. E era justamente nas falhas do sistema que consistiam os seus fundamentos.
O sul escravista quase pregava uma filosofia social, não atingiu essa máxima pelas contradições existentes em seu modelo, o crescimento da escravidão, por exemplo, foi fruto do desenvolvimento do capitalismo e a exigência de mão-de-obra. Apesar disso, a crítica permaneceu de modo veemente sobre a sociedade liberal e o comércio livre. A hegemonia do sul e a ratificação dos seus fundamentos dependiam da destruição do mercado livre. Havia, no entanto o reconhecimento dos avanços científicos da sociedade burguesa, seu apelo encontrava-se no declínio dos padrões morais. Segundo Genovese, para Fitzhugh admitir os benefícios da sociedade capitalista, seria como afirmar a sublevação da sociedade escravista para a liberal, por isso suas afirmações não negavam os progressos, mas criticava os demais aspectos como a moralidade. São afirmações de Genovese:
1) Os sistemas de trabalho pré-capitalistas eram, em geral, sadios, morais e bons.
2) O capitalismo libertou mentes e corpos humanos da servidão.
3) O capitalismo produziu avanços sem paralelos na economia mundial.
4) O capitalismo é um sistema imoral, ou melhor, amoral que condenou a grande maioria das pessoas do mundo à fome e à privação.
5) A escravidão devia, de alguma forma, ser restaurada em toda parte, de modo a restaurar a segurança, a ordem e a decência para todos os homens de boa vontade. O ataque ao comércio livre tinha como argumento o desenvolvimento dos valores corrompíveis gerados pelo capital, o dinheiro usado sem controle seria destrutível e um potente gerador de desigualdades, corrupção e opressão dos pobres, o que não aconteceria no regime escravista onde havia os princípios familiares que o limitavam ao essencial, a doutrina imbuída aos escravistas que poderiam ser comparáveis ao socialismo se não se tratasse do modo-de-produção escravo, baseado na exploração tanto quanto o liberalismo. Outro fator justificável de acordo com os pró-escravistas da crítica ao capitalismo, estava na apropriação de Teoria trabalhista do valor que desenvolvida por Fitzhugh ganhou ares de denúncia contra o mercantilismo (e a prática do empobreço teu- vizinho). Para o teórico dizer que o capitalismo gerava valor nas pessoas foi suficiente, para o fomento da teoria de superávit de Marx que consistia no lucro obtido pelo capitalista através da exploração da força de trabalho. Fitzhugh apropriou-se da teoria para corroborar seu fundamento social escravista, contudo se o superávit era o lucro oriundo da exploração do trabalho, não seria também a escravidão um sistema explorador? O meio encontrado para amenizar o papel da escravidão no superávit foi admitir que sua exploração dava-se de forma mais humanizada a alguns fora delegada a tarefa de conduzir os outros, o inadmissível era o individualismo, o egoísmo e a competição. Existia uma naturalidade na hierarquia social beneficiando o processo de construção ideológica da escravidão sobre o liberalismo. A Teoria pró-escravista considerou um capitalismo estático, subsidiando a defesa da escravidão sobre alicerces equivocados. Fitzhugh considerava o nível de subsistência gerado pela exploração do trabalho, fosse organicamente produzido pela sociedade liberal, quando de fato era um estado transitório indeterminado biologicamente, mas sim culturalmente. Apesar da má fundamentação de seus pensamentos expressava a posição de sua classe. O cunho moral sempre esteve latente na construção ideológica dos senhores de escravos: Economia e moralidade eram as engrenagens que movimentavam a Ideologia sulista. A moralidade ganhou roupagem religiosa e Deus passou a ser um coeficiente necessário a formação do ideário e dos senhores do sul. Deus havia dado-lhes sabedoria para que gerissem a sociedade construindo as instituições e a política na defesa dos fracos. A competição só servia para instaurar a animosidade entre os indivíduos, o que tinham a oferecer de bom os burgueses liberais? Contestava a opinião sulista, que contribuição traria aos laços familiares e patriarcais que moviam as relações nas fazendas? Na Ideologia que se criara fazia sentido a prática de hábitos que valorizassem a família e a moral, tanto que no sul, segundo Fitzhugh, o grande parentesco era admitido até o 5º grau estendendo ao seio da família e sua contribuição como ferramenta de alienação ideológica. A cristandade desempenhou um papel de articulação e afirmação na defesa pró-escravista. “O senhor abraça a moralidade cristã naturalmente porque seu papel na vida é essencial o de pai e protetor” (Genovese, 1979, p.200). A escravidão assim como a religião assume uma função moralizante. Só ela seria capaz de exterminar com o desespero da classe dos trabalhadores. Apesar da tradição Protestante era bem verdade que os senhores sulistas precisavam do tradicionalismo do catolicismo. A reforma protestante por mais que fosse admirada em termos de praticidade e reação social contra o movimento católico – analogia ao sul e seu movimento de afirmação – não exprimia o reacionismo e mais do que isto representava a burguesia. O Sul tão atribulado a tradição via-se imobilizada na herança protestante inglesa.

Defesa da Escravidão
A família, o patriarcalismo e o casamento encontravam-se na base da defesa de uma solida estrutura familiar que estava intrinsecamente relacionada à filosofia escravocrata e a condução do modelo sulista. Os escravos eram a “família” preta da fazenda, a escravidão levava a proteção do pai aos filhos. O patriarca assumia responsabilidades atuantes no controle rígido da disciplina. Contudo, os elementos da Autarquia não estavam somente na ideologia seus alcances pretendiam adentrar na esfera governamental.
O teórico sulista Fitzhugh criticava a estagnação econômica na agricultura e expunha a necessidade de modernização que alavancararia a industrialização e o desenvolvimento de cidades no sul. Para ele era preciso que a urbanização e o crescimento das indústrias fossem processos concomitantes para evitar a dependência ao comércio externo criando condições de escoamento interno para os produtos, desta forma o mercado estaria protegido (Autarquia). A escravidão nesse contexto passaria por uma adaptação as novas exigências da sociedade sulista. Para tanto, era preciso expurgar da sociedade sulista as mazelas do mercado livre; isto ocorreria através da autarquia familiar. Os princípios da fazenda seriam incorporados as práticas administrativas. A primogenitura e a ocupação dos cargos políticos administrativos possibilitariam a reestruturação social. A demasiada concentração de poder nas mãos dos proprietários geraria problemas, a resolução deste cisma, segundo o autor, estava na limitação no tamanho das propriedades dos senhores sulistas que efetivamente garantiriam o equilíbrio de força entre os proprietários e evitariam o distanciamento na relação senhor-escravo. Transformar a mentalidade da aristocracia fazia-se primordial para a manutenção do regime e descentralizar o cosmopolitismo de forma a garantir mais autonomia política. Os brancos não proprietários contavam nessa formação ideológica como mão-de-obra especializada cuja responsabilidade seria o trato com os escravos. O que se propunha não passava de uma escravidão branca velada, pois teriam o título de liberdade consigo, mas eram dependentes dos senhores de escravos. As contradições do capitalismo levariam ao colapso de suas instituições e a luta de classe demonstrava esse gérmen. A mentalidade escravista, apesar das semelhanças em alguns aspectos como o socialismo divergia em outros, sua tomada de consciência passava pela ruptura de fundamentos primordiais à ideologia sulista. “O perigo, como ele o viu, era a reação contra o capitalismo estava esguichando furiosamente em todas as direções e produzindo uma psicologia de reforma decidida a derrubar tudo na vida civilizada religião, família, governo, lei e a escravidão, naturalmente” (Genovese, 1979, p. 235). A agitação social promovida pelas contradições do liberalismo burguês seria contornada com o respaldo dado as massas e o controle ao capitalismo, essas proposições eram a utopia de uma aliança para a manutenção de um sistema, sendo necessária a aniquilação do comercio livre e do mercado competidor.

Conclusão
Os pensamentos dos senhores do sul impregnaram-se de um racismo que eles mesmos não se deram conta. A afirmação de que a escravidão era essencialmente boa à sociedade promovendo a formação de uma casta branca que fundamentada em valores familiares, protegia os negros contra as práticas predatórias da burguesia continham em si o embrião da inferioridade racial, lançando a base ao racismo e a criação de duas classes. A aristocracia branca e os negros escravos que corroboravam a existência de uma classe escravocrata sulista, o posicionamento superior de um sobre o outro. Esta barreira foi a manutenção de uma elite fazendeira que levou ao ostracismo e sua falta de mobilidade. A sociedade estagnou-se e não viabilizou formas de manter o regime dentro de uma conjuntura propriamente adequada a sua sobrevivência. A incompatibilidade na convivência entre a sociedade escravista e o capitalismo liberal marcou a ideologia pró-escravidão decisivamente, tanto que os benefícios do regime e a autarquia foram efetivamente retratados por esses homens como prerrogativa a sua consolidação, talvez isso tenha significado a sua própria destruição na defesa de um modo-de-produção completamente contrário ao panorama que configurava economicamente ”Enquanto o sul significou uma ordem social arcaica (...), (...) e, enquanto não pôde de qualquer modo libertar-se da influência(...) (...) ele teve que continuar suspenso e estéril”.

Análise do texto: O Mundo dos senhores de escravos:dois ensaios de interpretação.Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. Autor GENOVESE, Eugene D.