A história mostra-nos o mais largo horizonte da humanidade, oferece-nos os conteúdos tradicionais que fundamentam a nossa vida, indica-nos os critérios para avaliação do presente, liberta-nos da inconsciente ligação à nossa época e ensina-nos a ver o homem nas suas mais elevadas possibilidades e nas suas realizações imperceptíveis.(...)A experiência do presente compreende-se melhor reflectida no espelho da história. Karl Jaspers

sábado, 25 de abril de 2009

A COMUNA DE PARIS


A comuna, o governo da cidade

Em Paris 1871, finalmente acontece à revolução por muito tempo esperada, a revolução do povo, a cidade dando-se suas próprias autoridades comunais. Esse governo, feito pelo povo e para o povo, até então desejo de todo o trabalhador durou apenas 62 dias. Comuna seria o “governo dos produtores”, a “república do trabalhador”. O conceito de “comuna” significava, então, uma pequena unidade de comando que coordenava o trabalho social em todas as instâncias possíveis. Em um primeiro momento o comitê central, não conseguiu encontrar uma unanimidade para acertar o rumo dos acontecimentos. No entanto depois de muito desentendimento finalmente foi costurado um acordo que permitia as eleições, que foram mais freqüentadas que as realizadas no mês anterior para a eleição da assembléia geral; são eleitos membros de várias correntes; Blanquistas, Jacobinos, internacionalistas, republicanos; cada um dos eleitos está intimamente ligado aos episódios dos agitados meses anteriores.
A partir do momento de proclamação da comuna o exército francês sobre as ordens da Assembléia, agora instalada em Versalhes se reorganiza para voltar a Paris e retomar o comando da cidade e esmagar a revolução. Em um primeiro confronto entre as forças opostas observa-se um quadro completo para entender como Versalhes e Paris encaravam a guerra. Apesar dos federados possuírem uma força militar numerosa e bem armada, não havia idéias claras de comando. Para Versalhes, no entanto, as hipóteses de guerra eram muito fáceis de formular. Tratava-se de uma guerra “Sem trégua e sem piedade”, onde as regras clássicas de guerra não se aplicavam,este era um confronto entre valores sociais e ideológicos, definitivamente contrapostos.
Diante do quadro caótico que se instalava durante o período de enfrentamento uma carta de Rossel com seu pedido de renúncia revela a falta de linha político militar da comuna: “Não posso seguir assumindo responsabilidades onde todos deliberam e ninguém obedece; as vacilações do comitê central da guarda nacional freiam a administração; As preocupações mesquinhas dos chefes da legião paralisam a mobilização das tropas.” E finalmente termina : “Eu me retiro e tenho a honra de solicitar uma cela em Mazas.” (p.74)
Estrutura do governo
O governo comunal estava organizado com representantes dos vinte e cinco subdistritos escolhidos a razão de um para a cada 25 mil habitantes de Paris. A comuna é um dragão executivo e legislativo ao mesmo tempo, onde os poderes não estão “divididos”, mas sim, “descentralizados”. Seu aspecto formal é o mesmo que apresenta qualquer prefeitura moderada, mas, acima dela nada existe. O simples conceito de comuna era suficientemente forte e atrativo para abranger uma interpretação política e social e unificá-las. A comuna de Paris, unidade política para desenvolver a “república universal”, deveria, entretanto governar uma complexa cidade durante o transcurso de uma guerra. Tinha que tomar as funções do estado e traduzi-las para a perspectiva do pacto comunal, além de encarregar-se dos serviços municipais básicos. Por outro lado, estimulava também uma descentralização em seu primeiro seio.
Os decretos, instrumentos pelos quais governavam a comuna, permitiam identificar o roteiro governativo que a comuna se propôs e as tendências que se tivessem desenvolvido se o pano de fundo de todas as medidas não fosse a guerra em curso, o que fazia com que todas as decisões acabassem relacionadas com as necessidades bélicas.
Medidas tomadas pela comuna:
· Reorganização do poder administrativo torna os estrangeiros elegíveis.
· Reformulação das relações de trabalho.
· Poder arbitral da “comissão de trabalho, indústria e comércio.”
· Reformas culturais, relacionadas com a solidariedade social, de economia de guerra vinculadas à organização do trabalho e da propriedade social.
· Medidas de guerra, objetivos ideológicos e bélicos simbólicos.
No que se refere aos decretos e resoluções da comuna, a ação simbólica e a ação militar acabam se confundindo em uma única coisa. Houve por parte da comuna um programa explícito que reunia todas essas decisões, decretos, projetos e ações em que a guerra expressava-se também por alfinetações de fundo, conteúdo ideológico. Em todos estes documentos e fatos vêem-se claramente o traço irreligioso, igualitarista, universalista, racionalista, laico, e apelo à ciência. Cabe ressaltar que nada se expropriou nem se confiscou o próprio Banco da França foi administrado em termos tradicionais. A comuna pegou apenas o dinheiro que lhes pertencia enquanto o banco continuou com suas operações normais, com suas sucursais.
Neste confronto existem episódios que nos remetem a analisar quão bela e singular é uma revolução que se em um momento envia balões a céu aberto com propaganda para que camponeses tomassem conhecimentos do que estava acontecendo em Paris, esquecendo-se do pequeno detalhe de que os camponeses em sua grande maioria eram analfabetos, por outro lado escreve em um documento que: ”Paris fez um pacto com a morte, por trás de seus fortes ela tem muros; por trás de seus muros barricadas; por trás das barricadas, as casas...” (p.87), neste trecho está representado o pulso real da comuna, da sua idéia de guerra popular e de resistência, a comuna foi obra da guarda nacional convertida em lar de todas as ideologias revolucionárias daquele momento histórico.
Os derradeiros dias
No domingo dia 21 de maio, 62 dias depois de iniciado o conflito, os Versalheses entram em Paris uma cidade que se mostra despreparada e confiante. Como exemplo de despreparo dos comandantes da comuna ressalta-se que no momento em que as tropas Versalhesas entram em Paris, a comissão da comuna encontrava-se discutindo a conveniência ou não da intervenção do estado nas artes e na cultura. O último delegado de guerra da comuna, o jacobino Delescluze Lança um manifesto chamando à “Guerra revolucionária”, este chamado justificava-se pelo pensamento de que: A razão política é mais profunda quando se desvencilha de carcaças e ossaturas organizativas. A revolução estava sendo derrotada. Os combates nas ruas de Paris duraram sete dias; O comitê de Salut Publique afixa um proclama dirigido ao exército de Versalhes, estes dizeres mostram o desespero diante da derrota eminente: “Se atirardes contra o povo, vossos filhos não vos perdoarão (...) Vocês também são proletários” (p.89), isto de nada adiantou, haja vista o exército regular já sentir o gosto da vitória.
No segundo dia de combate metade de Paris está nas mãos de Versalhes. Os incêndios à noite iluminam toda a cidade. As canhoneiras da comuna já nada podem fazer, os Versalheses fuzilam sistematicamente os prisioneiros da guarda nacional. Neste momento alguns oficiais da comuna despojam-se da farda azul e das belas barbas que, semanas antes, eram orgulho revolucionário. É que os Versalheses fuzilavam por: semelhança, cheiro de pólvora, sinais de ter pegado um fuzil; enfim, por qualquer pretexto. Neste momento também o exército da comuna através de alguns oficiais resolve começar a fuzilar reféns. A comuna não tem um discurso para sua própria derrota. Os combates são desiguais, um exército poderoso muito bem armado, contra um punhado de soldados dispersos, sem comando, sem esperanças, sem saber o que acontece no quarteirão vizinho. Sábado 27 de Maio, a cidade esta envolta em fumaça, no cemitério de Pène Lachaise, são fuzilados os últimos sobreviventes da comuna contra um dos muros interiores, é o “muro dos federados”, ao meio dia do domingo, dia 28 caem os últimos grupos federados que resistem. Imediatamente começam os fuzilamentos sumários. Vinte mil soldados e simpatizantes da comuna são mortos desta forma. Milhares de pessoas são internadas em campos de concentração em Versalhes. A maioria delas e destinada às cortes marcias e finalmente a deportação em nova Caledônia, uma ilha francesa na Melanésia. Após o término dos combates uma frase atribuída ao general Gallifet resume a forma como os legalistas encarnaram o verdadeiro extermínio em massa promovido ao final dos combates: “Acabamos com qualquer possibilidade de insurreição na França por muitos anos” (p.93).Mesmo que essa frase não tenha sido pronunciada, a política adotada pelo “Partido da ordem” foi de extermínio e massacre, contra os partidários da comuna.
Observando os fatos pode-se concluir que os integrantes da comuna não cometeram excessos sequer comparáveis aos cometidos pelos versalheses. A comuna era uma revolução que não conhecia seus próprios limites e combinava diversos estágios temáticos, um modesto municipalismo com a organização federativa de todo o continente, a autonomia na gestão social com o libertário iluminista. Oito anos após o fim dos combates, anistia restrita, que depois se transformará em uma anistia total para os communards exilados. Estes vão voltando aos poucos, uns em silêncio, outros escrevendo livros.
Os “Assaltantes do Céu”
Os “Assaltantes do céu”, expressão cunhada por Marx, que a empregava para designar os participantes dos movimentos que contavam com muita energia revolucionária, mais com pouca propensão para análise das condições objetivas da sociedade. Buscavam os Communards inspiração no efeito de grandes guerreiros, para lutar contra todos que não fossem o que se pode chamar de “Homem produtor”, e nesta luta estavam dispostos a tudo.
Resumo: A comuna de Paris “Os assaltantes do céu”
A História Moderna registra algumas experiências de regimes comunais, mas sem dúvida a que mereceu maior destaque foi a Comuna de Paris. Reveste-se ainda de mais importância por ter sido o primeiro governo operário da história.
Durante a guerra Franco-Prussiana, as províncias francesas elegeram para Assembléia Nacional uma maioria de deputados monarquistas francamente favoráveis à capitulação ante a Prússia. A população opunha-se a essa política.
A Comuna de Paris adotou uma política de caráter socialista, baseada nos princípios da primeira internacional. Os Communards, assaltantes do céu, ousaram construir um governo irrestrita e radicalmente democrático, estabeleceram uma democracia direta sem subterfúgios, e este exemplo não podia ser tolerado. A organização da comuna era extraordinariamente simples: Todos os cargos públicos eram eletivos e revogáveis, estavam submetidos ao sufrágio dos cidadãos, inclusive os conselheiros municipais, que eram responsáveis perante seus eleitores e poderiam ter seus mandatos revogados a qualquer momento por esses mesmos eleitores. O salário dos servidores públicos não poderia ultrapassar os dos operários em suas respectivas atividades. Nenhuma restrição foi imposta aos estrangeiros residentes.
O tempo de duração da comuna foi de 62 dias, seu esmagamento pelas forças legalistas, comandadas por Thiers, revestiu-se de extrema crueldade, foram executados cerca de 20.000 Communards. A verdadeira aniquilação dos communards deveu-se não somente ao fato da revolta propriamente dita, mais acima de tudo foi um exemplo para que outras cidades não tivessem idéias liberais semelhantes que não podiam ser toleradas.
O legado da Comuna
Marx deixou cunhada uma interpretação onde os feitos da Comuna ganham uma autonomia quase completa com relação aos seus promotores originais, oferece uma história que suas mais evidentes relações com os partidos e agrupamentos ativos na França nas décadas anteriores. É bem provável que esta omissão de Marx justifique-se no fato de que a comuna poderia ser a “forma final descoberta” para desenvolver a luta de classes, no entanto Marx era ciente de que muitos dos envolvidos buscavam inspiração na revolução de 1789, e a isto Marx curvara-se, tanto que tempos antes do início da revolução este já afirmava que: ”Os operários franceses não devem deixar-se levar pelas recordações nacionais de 1792” (p.99). Após o final da comuna quando Marx e Engels analisam os rumos da insurreição e reescrevem um novo prólogo para o manifesto comunista, estes afirmam: “Depois da comuna não basta que a classe operária se apodere da máquina estatal para fazê-la servir aos seus próprios fins” (p.100). Se Paris não fora o “melhor lugar do mundo” para se estar durante a comuna ao menos serviu para indicar rumos, experimental propostas e finalmente sepultar antigas ingenuidades ideológicas. Serve a experiência da comuna para análise e interpretação de vários “modelos” tais como: Abolição da máquina estatal, controle social da produção, duplo poder, timidez diante do capital financeiro, preferência da ação político-militar além de Marx e Engels vários são os autores que escrevem analisando as conseqüências da comuna de Paris, a vista de cada um foi, hora um movimento necessário, hora um movimento inevitável, e o aprendizado do campo de batalha serviu para análise e reflexão das capacidades reais do movimento operário.
Análise Crítica
Ao final da leitura do texto de Horácio Gonzáles sobre a Comuna de Paris, fica-se sem qualquer dúvida maravilhado com a rica experiência que nos ofereceram os communards, dando-nos a grande possibilidade de observar em uma cidade de vulto a experiência aguardada por muitos durante muito tempo. Repensar a comuna de Paris, nos leva ao questionamento de como algo por tanto tempo idealizado que parecia a “forma ideal de governo”, quando colocado na prática dura poucos dias. Mesmo o próprio Marx em suas observações vendo aproximar este provável acontecimento, estava ciente de que não bastaria aos trabalhadores tomar para si o comando da cidade, era preciso estar preparado para isto. O governo realmente popular que se instala na prefeitura de Paris não tem precedentes históricos, no entanto, este governo proletário dura apenas 62 dias, rico em experiência a serem observadas e analisadas, no entanto, mostra diversas falhas na concepção teórica no governo dos trabalhadores.
E durante a leitura do texto, por diversas passagens descritas observamos a falta de preparo dos operários no momento que tiveram oportunidade de exercer os destinos da cidade. O comando da comuna era feito uma verdadeira “Colcha de retalhos”. Muitos entre os Communards eram homens vindos das mais diversas correntes ideológicas, que efetivamente, não chegaram nunca a um entendimento total, e isto facilitou o descontrole das ações de enfrentamento ao governo de Versalhes, culminando assim em um fim com tão pouco tempo de existência.
Nas eleições municipais são eleitos dirigentes com as mais variadas tendências teóricas, o governo mostra-se tão descentralizado que decisões são tomadas em um determinado setor, e os outros setores sequer tomam conhecimento. Em vários episódios o governo mostra-se ingênuo em suas decisões, ao contrario do governo de Versalhes, organizado militarmente com uma clara intenção de como conduzir a guerra contra os communards.
Restou da comuna o fato de que pela primeira vez era colocado em prática em vasto campo de análise, para que fossem repensados valores e posições ideológicas por tanto tempo propagadas.
Celso de Almeida.
*Foto: Comuna de Paris

A História não é um fluxo contínuo

A História constitui um dentre uma série de discursos a respeito do mundo, embora esses não criem o mundo, eles se apropriam e lhe dão todos os significados que têm. O objeto de estudo da História é o passado, deve-se, no entanto ressaltar que passado e História são coisas diferentes, não estão unidos um ao outro de tal modo que se possa ter uma única leitura ótica deste passado, ambos existem livres um do outro, o responsável pela leitura deste passado é o historiador, e dele depende a interpretação deste, cabe lembrar que a interpretação feita não depende somente da visão histórica deste profissional, pois ele sofre durante o ato de reescrita da história pressões do dia a dia; pressões familiares, profissionais, tais como: tempo que lhe é dado para terminar o trabalho, número de páginas em que este trabalho deverá estar contido, orçamento ao qual ele deve estar vinculado e limitado, dentre outros. A história não é um fluxo continuo de eventos, e sim uma escolha descontinua, feita pelo homem, quando se escolhe o mesmo termo para representar tanto a realidade, quanto o conhecimento, que sobre ela se tem. É esta a situação da História, de um lado, representa o histórico e, de outro, o conhecimento acumulado ou a disciplina da história. O estudo da História é sem dúvida onde o passado encontra o presente. As pesquisas feitas pelo historiador através dos métodos escolhidos por ele para avaliar as verdades históricas já propostas por outros s é que irão determinar a transformação deste passado, também dependendo neste momento da reescrita, sua posição ideológica, política, religiosa, econômica e social. Pressuposto este que determina que a análise deste passado e sua apreensão não devem jamais ser única, pois dependerá sempre da visão de cada historiador. Um clássico exemplo deste ponto de vista na escrita da história vem do período iluminista, em uma mesma época viveram historiadores que deram diferentes interpretações e que tiveram formas de análise diferentes, Montesquieu com sua visão mais filosófica e com sua teoria de que a evolução da história estaria pautada no avanço do conhecimento do homem, contrasta com a visão mais econômica e tecnológica de Adam Smith que baseava a sua visão teórica de evolução da historia de acordo com a evolução dos métodos de progresso econômico e tecnológico do homem. Para cada um destes historiadores a História terá uma interpretação diferente.
Diante dos fatos apresentados conclui-se que apesar da dificuldade em analisar o passado, esta é efetivamente feita por historiadores com diferentes pontos de vista. Deve-se promover uma observação crítica, porém imparcial, pois na escrita da História não existem “alicerces da História”, sendo este um conceito variável, a cada mudança de perspectiva de observação, surgirá uma nova interpretação, de um mesmo fato histórico. A História procura especificamente ver as transformações pelas quais passaram as sociedades humanas. As transformações são a essência da História; quem olhar para trás, na História de sua própria vida, compreenderá isso facilmente. Mudamos constantemente; isso é válido para o indivíduo e também é válido para a sociedade. Nada permanece igual e é através do tempo que se percebe a mudança.
Celso de Almeida.

O CAFÉ NO RIO DE JANEIRO

Antes da revolução industrial o café era pouco mais que uma curiosidade na Europa. Na corte de Luiz XIV consumia-se a bebida como uma novidade exótica. A exemplo do chocolate ou do mate, ao café foram inicialmente atribuídas propriedades excepcionais. Um exemplo disto foi justificar-se o crescimento demográfico turco, que foi atribuído ao café, devido ao largo consumo da bebida pela população.
A partir do ano de 1715 há registro da existência de plantações no continente americano. No Brasil a introdução das primeiras mudas foi feita pelo Tenente Palheta que obteve as mudas na Guiana francesa e iniciou sua plantação no estado do Pará. Quanto ao Rio de Janeiro, os primeiros registros de plantações de café datam de 1760, quando o Bispo Castelo Branco trouxe algumas sementes, que foram plantadas inicialmente no pomar do convento dos barbudinhos, e também em São Cristovão, no Mendanha, em São Gonçalo e Resende.
O marquês do Lavradio foi o primeiro grande incentivador do plantio de café, concedendo inclusive, isenção de serviço militar aos plantadores no município de São João Marcos e D.João VI concedeu sesmarias para o cultivo de café.
De um início tímido, mais agora as plantações multiplicaram-se, e o café começa a ganhar importância no mercado mundial, para que se estabeleça um paralelo do crescimento da produção no Brasil, observa-se que em 1766 há registro de exportação de café no Rio de Janeiro de 8.500 toneladas, apenas 12 anos depois de 1808 são exportadas 82.200 toneladas pelo mesmo porto. A Percepção da importância do café já é clara em 1822 quando José Bonifácio elege-o, junto com o fumo, para figurar na bandeira do império brasileiro.
A produção cafeeira iniciou-se como uma produção familiar, simultânea a grandes plantações, agora começa a dar sinal de hipertrofia das grandes plantações, sugerindo que: economias de escala, barreiras de autoconfinamento e apropriação das melhores terras por grandes produtores, debilitaram a pequena produção cafeeira. A persistente queda do preço internacional, com um constante aumento da oferta, e um alargamento do mercado para a bebida, somadas a simultânea elevação do valor do escravo, principalmente a partir de 1850, fizeram da grande plantação a forma dominante da cafeicultura fluminense.
Sem exagero, o café como atividade econômica central nasceu no interior da cidade do Rio de Janeiro, foi também aí o lugar de seu primeiro recuo. A devastação das matas da Tijuca, inicialmente com os canaviais, e depois com a multiplicação cafeeira, afetou os mananciais da cidade, o que ocasionou um recuo na plantação e a necessidade de um urgente reflorestamento. Mesmo assim podemos dizer que o café se projetou na história brasileira a partir da Tijuca.
A marcha expansiva da cafeicultura injetou densidade demográfica na província fluminense. Antes do café, a produção de alimentos para a cidade, e a economia do açúcar na planície fluminense, eram os principais núcleos ativos no interior. Apenas o litoral era ocupado, pontilhado por modesta presença em Parati, Angra dos Reis e outros pequenos povoados.
Até a chegada do café na província fluminense, o grande destaque da produção era a cana de açúcar, para a produção do açúcar e da cachaça, com a chegada do café houve um salto com direção ao interior fluminense, portanto podemos até afirmar que o Rio como conhecemos é certamente uma criação do café. Não restaram vestígios de outras iniciativas de incentivo a ocupação, no período Joanino, houve tentativas de plantações de anil e chá, que redundaram em fracasso.
A formação de cafezal tem início com a operação de desmatamentos. As terras virgens e bem drenadas são as mais adequadas para o cultivo do café. No Rio de Janeiro a operação de derrubada e remoção dos troncos das matas virgens, é realizada geralmente em escarpas e declives. Na cafeicultura fluminense não houve plantio em curvas de nível nem qualquer preocupação com a conservação do solo, geralmente as fileiras de café se alinhavam de baixo para cima, o que facilitava a erosão. Entre as fileiras do café eram consorciados os plantios de milho e do feijão. Após o quinto ano o cafezal inicia sua produção que atingia carga total por volta do sétimo ano. Duas pragas sempre rondaram os cafezais; a erva de passarinho e a saúva. O cafezal depois de formado exige um mínimo de três capinas anuais além de outros cuidados, estas técnicas de plantio e manejo assim como de beneficiamento nos foram transmitidos provavelmente por produtores da Guiana francesa, de onde vieram nossas primeiras mudas.
No início da expansão cafeeira, as terras virgens fluminenses praticamente não tinham nenhum valor. Foram utilizadas para o plantio as antigas e imprecisas sesmarias distribuídas no recôncavo fluminense e ao longo do caminho novo para Juiz de fora. A partir de 1822 foi extinta a concessão de sesmarias e praticou-se o reconhecimento de posse. A plantação cafeeira utilizava alguma mão-de-obra livre, feitores, e artesões, porém a força do trabalho da plantação era essencialmente de escravos. A não utilização da mão-de-obra escrava, em operações de derrubada e limpeza de florestas devia-se a redução do risco de morte, fato que demonstra a preocupação com o valor do escravo. Em uma fazenda com cafezais plenamente produtivos a escravaria representava aproximadamente 40% do valor da propriedade. A compra de escravos, de ferramentas e bens necessários à manutenção da escravaria, representavam o investimento na plantação. Na economia escravista a fazenda plantada tinha baixa liquidez. O grande valor era o conjunto de escravos-etimologicamente, “a fazenda” a produtividade do cafezal depende do trato que recebe, e o trato é dado em função do preço. Depois de formado o cafezal não mais admite plantio nas entrefilas, o que aumenta a despesa com alimentação para a escravaria.
Entre 1835 e 1867, a produção cafeeira se multiplicou seis vezes, ao final deste período o Rio de Janeiro era responsável por 90% do café brasileiro, já em 1870 é patente o declínio da produtividade nas primeiras zonas plantadas com o café, porém, até a abolição o Rio de Janeiro manterá seu predomínio na produção.
Ao longo da primeira metade do século XIX, o café fluminense sustentou as exportações do império e ocupou com 60% a primazia da produção mundial. O porto exportador do café era o do Rio de Janeiro. Não é exagero afirmar que foi a ampliação da oferta do café fluminense que criou o mercado mundial do produto.
A primeira vista, o processo produtivo é singelo tecnicamente tanto para a formação da lavoura cafeeira quanto para a colheita e beneficiamento, no entanto sob um aspecto decisivo, o investimento em café é mais complexo que até mesmo o da cana-de-açúcar, a plantação de café exige prazo de financiamentos mais longos do que os requeridos pelo engenho ou pela indústria têxtil o motivo principal que dá causa a esta necessidade de longos prazos é o tempo entre o preparo da terra, o plantio e a colheita.
A fronteira de terras apropriadas para o café foi progressivamente movendo-se de acordo com a expansão da ferrovia, e modificou a forma da contratação do colono ligado ao café, principalmente em São Paulo, passou-se a utilizar os imigrantes contratados para formar a plantação, recebiam um pagamento por pé de café, e a partir deste ponto utilizava-se a mão de obra escrava. No Rio de Janeiro prevaleceu a grande plantação utilizando mão de obra exclusivamente escrava em quase todas as etapas.
Como agente financiador de crédito ao produtor não havia durante o primeiro império nenhum órgão oficial, este financiamento ficou por conta das “casas comissárias”, que se encarregavam pelo crédito para compra de escravos, ferramentas e alimentos, fornecidos até o início da produção, e em contrapartida esta obtinha exclusividade na compra da produção. Estas casas mantinham ligações com bancos no exterior para suas operações cambiais. Grande parte do dinheiro empregado nos financiamentos, veio, sem dúvida do comércio negreiro que tinha no Rio de Janeiro seu principal ponto. O grande sistema mercantil do tráfico negreiro articulou-se com a implantação cafeeira, como já o fazia com a produção açucareira e de aguardente. O ouro vindo das Minas Gerias, serviu de portfólio do capital mercantil colonial, como reserva de valor e garantia de liquidez internacional. E apesar da vinda de bancos estrangeiros, principalmente ingleses, para o Brasil, o comando do negócio cafeeiro que nasceu solidamente fundado em interesses internos, permaneceu sob o comando do capital nacional. O dinamismo do sistema de financiamento dependia da constante oferta da mão-de-obra escrava, este era um ponto crítico, que iniciou ter problemas quando em 1831, pressionado pela Inglaterra, o Brasil formalmente aceitou a proibição do tráfico, tendo este continuado clandestinamente. Mais relutante ainda o império proíbe em 1850 o tráfico vindo da África, o Rio passa a importar escravos de outras partes do Brasil, no entanto outros fatos se sucederam, a guerra do Paraguai produziu uma relativa baixa na mão-de-obra, com o adendo da alforria para a prestação do serviço militar, e mesmo no pós guerra a grande maioria destes não voltou as lavouras.
O fim do tráfico valorizou os escravos encarecendo sua aquisição e isto acelerou a decadência das velhas lavouras já com reduzida produtividade, caiu o valor residual das terras envelhecidas e estes cafezais antigos foram abandonados. Baixo preço do café, baixo trato do cafezal, escravos desviados para a produção de alimentos, visando atender as demandas surgidas nas áreas de cafezais já produtivos foram fatores que contribuíram para o inicio da decadência do ciclo do café. Além disso, a partir de 1820, surgiu uma praga conhecida como mal de Cantagalo, a necessidade da venda de escravos, as velhas plantações, já improdutivas ou declinantes, outros fatores que também contribuíram: reduzir o número de capinas, a poda e o decote, operações que prolongavam a vida útil do cafezal.
Havia uma imensa rede de estradas carroçáveis que drenavam a produção de café para uma série de pequenos portos, e destes, o café era trazido ao porto do Rio, para então partir rumo ao mundo. Imensa foi à rede de estradas e caminhos abertos em função da expansão do café no Rio de Janeiro, e mesmo em estados vizinhos, o café criou uma rede de pequenas cidades locais, cuja razão da existência é inteiramente externa à sua vida urbana. Destas cidades a que merece maior destaque é Vassouras, onde era flagrante o contraste de luxo das sedes das fazendas cafeeiras com a modéstia relativa das residências de fazendeiros nas cidades locais.
O café fluminense gerou lugares sem dinamismo, cidades locais débeis que se esvaziaram com o declínio da cafeicultura, como exemplo às “cidades mortas” do Vale do Paraíba. Sobreviveram poucas cidades locais que serviam de segunda residência para os ricos da metrópole, são exemplos; Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo e Cabo frio.
Em 1880 é ainda prospera a cafeicultura na província do Rio de Janeiro, mas sua rentabilidade é declinante. Nesta época o café está sendo rapidamente erradicado do Vale do Paraíba e, em compensação, incorpora-se ao norte fluminense à produção tem neste período a diferenciação do café bebida: o tipo do café do Rio é menos valioso que o tipo de café de Santos, as terras do oeste paulista são superiores as de Itaperuna, produzem um café com bebida e tamanho mais valorizados no mercado internacional. Entre 1870 e 1900 inicia-se a decadência da cafeicultura fluminense, neste período a um longo descenso cíclico do café a nível mundial, e a produção fluminense, chega a reduzir-se a metade. Ao longo do Séc. XX a história do café fluminense é a crônica de uma longa morte anunciada. Ainda um pequeno fôlego durante as décadas de 1950 e 1960 com a descoberta de que o café Rio é o mais indicado para a produção do café solúvel.
O café está ligado à preservação da unidade nacional. As tendências separatistas ou foram superadas pela mão militar, a partir do Rio de Janeiro, ou por negociação. Prevalecendo sempre como força conciliadora o temor oligárquico de revoltar populares que ameaçassem seu patrimônio. Mesmo com o declínio da cafeicultura a maioria dos grandes plantadores de café conseguiu contornar a crise, ora investindo até mesmo em café no interior de São Paulo ou com negócios comerciais e financeiros no próprio Rio de Janeiro.
Certo é que até mesmo por razões topográficas e de qualidade do solo, a agricultura do estado do Rio de Janeiro, após o ciclo cafeeiro jamais foi uma atividade substancial e dinâmica.

Celso de Almeida.
*Foto: Plantação de café.

domingo, 5 de abril de 2009

O PAPEL DO NEGRO ESCRAVO NO PROCESSO DE LIBERTAÇÃO



A escravidão no Brasil constituiu-se como uma experiência de longa duração, deixando marcas em diversos aspectos da cultura e da sociedade. No ponto de vista da historiografia conservadora, que tem por hábito a valorização de determinados heróis como sendo os únicos responsáveis por grandes feitos da história, poderemos ver a princesa Izabel como a principal responsável pela libertação dos escravos. No entanto, este ponto de abordagem ignora todo um processo histórico que a conduziu a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888.
Durante os mais de 300 anos de escravidão, muita luta foi travada, muito suor derramado “sob o cabo da enxada”, muito sangue escorrido durante os não raros castigos recebidos no cativeiro. Seria uma pretensão absurda pensar em descrever toda a luta do negro contra a escravidão. Aqui o que se pretende, no entanto, é destacar a importância que os negros tiveram na luta contra a mais cruel das subjugações do ser humano, a perda total de liberdade, sua despersonalização e dessocialização, sua transformação em simples “coisa”, a mercê das vontades de seus senhores. Devemos enaltecer os negros, que em sua luta souberam com coragem e dignidade emergir de um ambiente de degradação onde foram atirados, para nos presentear com suas tradições, arte e cultura.
Desde o primeiro momento da escravidão foram comuns as revoltas nas fazendas, em que grupos de escravos fugiam, formando quilombos, cuja definição para Fernando Martins, em seu livro Poliantéia Santista é: “Lugar de gente alerta ou de prontidão. Perseguida, buscada, ameaçada e, por isso mesmo, em defesa.” Os quilombos eram comunidades onde os integrantes viviam em uma organização comunitária semelhante à existente na África, lá eles podiam praticar sua cultura, falar sua língua e exercer seus rituais religiosos.
Completamente apartados da condição humana eram utilizados como animais de carga, com muitos deveres e nenhum direito. A eles só restava o caminho da resistência e da não aceitação de sua desumana posição. Estes sempre que tiveram oportunidades e meios, demonstraram, sejam nas revoltas ou nos quilombos, qualidades de comando e organização, coragem e capacidade de iniciativa, esses fatores eram extremamente necessários em sua luta pela liberdade. Os negros nunca se submeteram pacificamente a escravidão, de forma geral, sempre reagiram com os instrumentos que possuíam.
São diversas as formas de resistência implementadas pelos escravos ao longo do período escravista: As fugas, sejam individuais ou coletivas, talvez tenham sido a forma mais freqüente de reação, foi de fato tão largamente utilizada que instou a coroa portuguesa a adoção de medidas severas contra elas, chegando ao absurdo da marcação a ferros quentes com a letra “F” aqueles que recorriam a este instrumento de resistência, cabe dizer que, este era o mesmo tipo de marcação utilizada no gado. Grande parte dos escravos fugitivos dirigia-se aos quilombos. Outras formas de resistência foram: os abortos, para que as crianças não fossem submetidas à escravidão; assassinatos de senhores, feitores e capitães do mato. Há registros de que famílias inteiras de senhores de escravos tenham sido assassinadas.
No limite de sua resistência física e moral, o escravo se matava. Além do gesto de libertação, dando ponto final a sua condição de objeto, ele ainda golpeava fundo seu senhor, fazendo com que este amargasse o prejuízo do investimento que fizera para sua compra; asfixia, enforcamento, arma branca, arma de fogo e veneno, são algumas das formas de auto-eliminação. O suicídio foi sem dúvida a mais radical forma de resistência. Também no dia-a-dia do trabalho ocorriam diversas formas de protesto, podemos citar: a morosidade no trabalho, a automutilação, a quebra dos instrumentos de trabalho, além de outros atos nocivos aos interesses senhoriais.
O negro reagiu também contra um “projeto” do colonizador que desejava apagar da memória dos escravos qualquer coisa, mesmo que só um pensamento, que os fizesse retornar a sua terra natal. Para a manutenção deste vínculo o negro se fez valer de algumas artimanhas. Um bom exemplo desta resistência está nas manifestações religiosas, em certos traços da culinária africana, preservados pelos negros, e também na capoeira, um hibridismo, que disfarçava de dança uma forma de luta que muito lhes servia em enfrentamentos contra, principalmente, feitores e capitães do mato.
Muitos historiadores já comprovaram através de documentos a ocorrência de processos jurídicos pelas alforrias, representando estes, mais uma forma de resistência. As várias representações da liberdade nos permitem afirmar que os escravos e libertos dimensionavam suas necessidades de modo muito claro e enfrentaram o problema da escravidão buscando soluções múltiplas para o encontro de sua própria humanidade. Diante das formas de lutas adotadas na resistência a escravidão, aquelas em que, apesar de pouco documentadas, podemos observar maiores detalhes são: as revoltas e os quilombos. A não existência de vasto material a respeito destes episódios históricos deve-se principalmente ao fato de que a documentação era produzida por escravistas, não sendo, portanto de seus interesses um possível registro de derrotas ou mesmo uma demonstração explicita dos horrores da escravidão. Estudos mais recentes buscam o esclarecimento cada vez maior deste passado recente de nossa história.
Das revoltas, a mais conhecida foi a dos Malês, em Salvador. Tendo sido a primeira revolta totalmente organizada por escravos e libertos, merece que nós reflitamos, quem eram eles e quais os principais interesses contidos no plano dos revoltosos. Os malês eram um grupo de escravos, dentre os quais, havia muitos com experiência em combates ocorridos na África, possuíam grande capacidade de organização até mesmo dentro das senzalas, eram islamizados e pretendiam o fim da imposição da religião católica, o assassinato e o confisco de todos os bens de brancos e mulatos, a implementação de uma monarquia islâmica e a escravidão de todos os não muçulmanos. Com rapidez as autoridades prepararam um contra ataque, conseguindo reagir ao ataque aos quartéis em Salvador. Ao tentarem sair da cidade o grupo foi cercado pelas forças oficiais. Cerca de duzentos revoltosos foram levados aos tribunais e suas condenações variaram de pena de morte, trabalhos forçados, degredo e açoites. A partir deste episódio os negros foram proibidos de praticar suas cerimônias religiosas típicas. Esta revolta apesar de rapidamente controlada, serviu para demonstrar as autoridades e as elites coloniais o potencial de contestação e revolta que envolvia a manutenção do sistema escravista. Gerando assim, um grande medo nas elites de que novas revoltas pudessem se espalhar pelo Brasil, transformando o país em uma completa anarquia.
Dentre os quilombos o que mais merece destaque é sem dúvida o de Palmares, não que se possa medir em importância a existência deste e de outros quilombos, mas este foi um “Estado” dentro do Estado, com relações econômicas estáveis, estrutura socioeconômica estabelecida e contatos comerciais com vilas próximas, afinal foram mais de 60 anos de existência. A formação deste e de outros quilombos foi sem dúvida muito numerosa e extremamente importante no processo de reação contra a escravidão; Palmares durante todo este tempo afrontou, de certa maneira, a sociedade colonial, frustrando não menos que vinte e cinco expedições que visavam destruí-lo, agindo os quilombolas com uma tenacidade admirável, e com o vigor e coragem próprio de quem defende a sua “pátria”. Palmares merece destaque pelo tamanho que atingiu, pelo número de escravos e simpatizantes da causa libertadora que abrigou, e que por diversos momentos chegou até mesmo a negociar com o governo e com senhores de terras, em um ato quase que de reconhecimento das autoridades da força que este quilombo possuía.
Outro importante quilombo merecedor de nossa citação, não é um grande quilombo ou um quilombo de grande duração de existência, vale citá-lo, pois que, foi criado em 1882 por iniciativa não de negros fugitivos, mas sim por iniciativa de abolicionistas, como Américo Martins e Xavier Pinheiro. Em uma reunião na casa de Francisco Martins dos Santos, resolveu-se criar um quilombo no bairro do Jabaquara em São Paulo, nos fundos da propriedade de Mathias Costa, onde passaram a dar abrigo a negros fugitivos das fazendas da região. Para manter a ordem, foi escolhido o nome de Quintino de Lacerda como líder. O quilombo do Jabaquara foi extinto em 1886, quatro anos após sua criação, sua extinção coincide com o fim da escravidão em Santos. Somente dois anos depois com a lei Áurea assinada pela Princesa Isabel, foi que todos os escravos foram declarados livres no Brasil.
Ocorreram casos de negros que após serem alforriados, buscaram uma forma de “vida branca”, inclusive, quando possível, adquirindo escravos. Houve no entanto, aqueles que mesmo conseguindo a liberdade, não deixaram de lutar pela libertação de seus companheiros africanos, um caso bastante interessantes é citados no livro, “Ser escravo no Brasil”, de Kátia Mattozo; É a história de um negro que chegou ao Brasil em 1821 no navio Emília, no ano de 1836, já alforriado, dirigia uma empresa com a intenção de repatriar negros à África, e conseguiu graças ao seu empenho reconduzir ao território africano 200 negros, após alugar ao valor de 5.000.000 réis um navio inglês, dentro dos repatriados 60 faziam parte do carregamento do navio Emília. Este caso demonstra a participação do negro no processo de busca da liberdade.
Um fato que nos mostra bem a não aceitação de forma passiva da situação de escravo pode ser observado neste trecho do livro de Hebe Mattos, Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico: ”Durante as lutas de Independência, no Rio de Janeiro e em Salvador, por mais de uma vez a autoridade monárquica pediria aos maiores senhores de escravos que alforriassem alguns cativos para somarem esforços junto às tropas brasileiras. Face a atitude titubeante (quando não francamente contrária à proposição) dos proprietários, muitos escravos se anteciparam e fugiram para se alinhar com as tropas brasileiras”. Eles encontravam assim mais uma forma de resistência a escravidão, pois que ao final das lutas, o governo determinava que lhes fossem concedidas alforrias.
A partir da guerra do Paraguai o movimento abolicionista ganha força, milhares de escravos que retornaram da guerra vitoriosos, muitos até condecorados, correram o risco de voltar à condição de escravos por pressão de seus antigos donos, este era um problema social a ser enfrentado pelo governo do Império.
Não sem lutas e sacrifícios começou a brotar no Brasil uma mentalidade antiescravista, o início deste pensamento foi forjado pelos próprios negros. Nesta fase da história, os quilombos e a propaganda abolicionista passam a ser a principal preocupação do Império, pois a economia brasileira estava centrada no trabalho escravo. Esta preocupação acabou por gerar ações violentas por parte dos senhores de escravos, em resposta ao aumento da violência por parte dos senhores, os negros responderam com o aumento das fugas e a formação de um número cada vez maior de quilombos e com a ocorrência cada vez maior de vinganças sangrentas, que não eram em sua maioria vinganças premeditadas, fruto de índoles malvadas, e sim, reação natural e humana em defesa da própria sobrevivência.
Celso de Almeida.
*Foto: Escravidão